segunda-feira, 11 de abril de 2011

“A Vila” e “A República”, por Manoela Mayrink

Apesar de parecer uma comparação inusitada, há muito mais em comum do que se imagina entre o filme “A Vila” e o diálogo “A República”, de Platão. Logo no início do texto já se pode estabelecer relações com o filme. No Mito da Caverna, os homens estavam presos e viam apenas sombras do mundo real na parede da caverna, sombras estas que eles julgavam ser reais. Eles ficavam isolados, sem nenhum contato com qualquer outra forma de vida. Isso os levava a acreditar que aquilo que viviam era toda a realidade existente. O mesmo acontece de forma parecida (não igual) em “A Vila”. Os membros do grupo sabiam da existência de uma cidade, mas não iam até ela, por diversos motivos. O principal deles era o medo dos seres da floresta. Isso fez com que todos se fechassem apenas em torno da vila em que viviam, se desligando do mundo a sua volta e gerando uma visão limitada do mundo real.

O texto “A República” conta, então, como seria a descoberta de que as sombras não são a realidade em si. Em certo momento, há o questionamento “Não te parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam?”. No fim do filme é possível ver algo parecido. A personagem Ivy tomou conhecimento, por meio de seu pai, que os monstros da floresta não existiam e que tudo era uma invenção para que ninguém quisesse sair da vila. Apesar disso, ela não se acostumou rapidamente com a idéia. Quando estava na floresta e percebeu a presença de um ser estranho, lutou e fez de tudo que pode até matar o ser, não se lembrando (ou não acreditando muito) na explicação de seu pai. Acabou matando uma pessoa da vila, já que não havia realmente monstros.

Há momentos também em que o texto retrata situações contrárias ao filme. No Mito da Caverna, as pessoas saem de um mundo imaginário para um mundo real. Já no filme acontece o oposto. A Vila foi formada por pessoas que perderam familiares de formas violentas. Por isso, resolveram criar uma sociedade onde este tipo de morte e de perda não existisse. Portanto, ao contrário do texto, o que há no filme é a saída da realidade para a criação de um novo mundo, escondido de todo o resto da população. 

Em outro momento, “A República” traz o seguinte questionamento: “E a quem tentasse soltá-los e conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam?”, referindo-se aos moradores da caverna. Esta negação do diferente também pode se referir à vila, ao lembrar-se da criação dos monstros pelos anciãos. Esta idéia de não sair do lugar em que se está é retratada pela ameaça constante de que a floresta é povoada por “seres do mal”. 

Outro fator importante que merece ser destacado é quando, na evolução do diálogo do texto, há a seguinte afirmação: “nem os que não receberam educação nem experiência da verdade jamais serão capazes de administrar satisfatoriamente a cidade, nem tão-pouco aqueles a quem se consentiu que passassem toda a vida a aprender – os primeiros, porque não tem nenhuma finalidade na sua vida, em vista da qual devam executar todos os seus atos, particulares e públicos; os segundos, porque não exercerão voluntariamente essa atividade, supondo-se transladados, ainda em vida, para as ilhas dos Bem- Aventurados”. A personagem Ivy não tem nem uma característica e nem a outra, e por isso tem a capacidade de entrar para o futuro grupo dos anciãos, como boa administradora. Seu pai percebe isso e é um dos motivos de contar para ela o segredo da vila e de mandá-la em busca de remédios. Ele mesmo afirma aos outros anciãos que Ivy e Noah Percy são o futuro do local e merecem (e precisam) ser salvos.

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