domingo, 10 de abril de 2011

O filme “A Vila” (The Village, 2004) de M. Night Shyamalan, retrata um grupo de homens e mulheres que, tendo vivido experiências dramáticas e violentas na vida urbana norte-americana, do final do século XX, decide criar uma comunidade rural utópica com valores virtuosos rígidos; bucolismo, pureza e evasão do tempo, buscando, através da Educação, um controle social que afaste qualquer hipótese de maus hábitos, vícios e criminalidade. Para cumprir este objetivo, o grupo, denominado de “Anciãos” delimita o espaço territorial, ao qual as pessoas da comunidade devem se submeter e, como elemento de garantia, incutem o medo e o terror ao desconhecido, criando seres que são chamados de “Aqueles de quem não falamos”, estereótipos do mal, que são proibidos de serem mencionados e cumprem muito bem o papel de reguladores sociais, imobilizando qualquer ação ou desejo de questionamento dentro da comunidade. A utilização da cor vermelha como parte desta proibição remete, subjetivamente, à ausência das paixões como base para uma sociedade ideal. Partindo dessa análise, temos três personagens centrais. Ivy, moça cega e extremamente perspicaz, Lucius, rapaz introvertido e corajoso e Noah, rapaz que demonstra deficiência mental. O triângulo desenvolve-se criando o ponto crucial do filme. Um crime passional que irá ser a mola propulsora da saída de Ivy da comunidade em busca de medicamentos para salvar a vida de Lucius.
É possível estabelecer uma estreita relação da idéia principal do filme com a “Alegoria da Caverna”, capítulo VII da “A República de Platão, onde há a suposição de homens que, desde a infância, são submetidos a uma habitação subterrânea, com pouca luz, e julgam projeções como a própria realidade, logo sendo impedidos de conhecer a “verdade”, possuindo um conhecimento parcial e relativo de suas experiências de vida. O conhecimento, para Platão, ou a “subida para o mundo superior”, para fora da caverna, traduz-se como ascensão da alma ao mundo inteligível, relacionando-se com a ideia do Bem que, no mundo visível, pode ser aplicado à Luz, representando a verdade e a inteligência. Em “A Vila”, tanto Ivy quanto Noah são plenos de capacidades de percepção com a alma, o que torna suas deficiências físicas irrelevantes para o conhecimento da “verdade”. Platão reforça, em sua obra, a desconfiança dos sentidos e cita que educar o desejo do saber concede meios de enxergar, realmente, o conhecimento. Portanto, a cegueira da personagem só demonstra a própria desimportância, já que, utilizando seu raciocínio e lógica, movida pela vontade, pelo desejo, ela sai da caverna de sua comunidade inventada, irreal e é conduzida pela sua percepção ao conhecimento. Também a questão do gênero e seu comportamento é mencionado no filme de forma interessante. Ivy é uma mulher de cabelos curtos, diferente das demais na comunidade, além de se sobressair em brincadeiras tipicamente masculinas, onde sua liderança é questionada por Lucius. Para Platão, as mulheres, assim como os homens, também são dotadas de uma natureza capaz de liderar. Já Noah, Noé em português, com seus atos, aparentemente, lúdicos e passionais, fundamenta a legitimação dos discursos do medo na comunidade inventada, sua morte é utilizada para perpetuá-la, salvando-a.
Enfim, diante do conhecimento da “verdade”, Ivy ou Ewe, Eva em português, retorna ao seu “paraíso”, sua comunidade utópica, encerrando o filme com uma idéia deixada pelos “anciãos” de que ela e Lucius serão o futuro da comunidade, governando e dando continuidade ao ideal ascético e virtuoso, assumindo o controle social, sendo os “Guardiões”, como Platão coloca, “não porque é bonito, mas porque é necessário”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário